Esse artigo faz parte de uma série de três tratando de temas de direito francês de interesse para a comunidade brasileira na França. O primeiro tratou da utilização de documentos falsos sob o prisma penal. O segundo da possibilidade de regularização administrativa, ou seja, de obtenção de uma carta de residência (“titre de séjour”) por pessoas vivendo na França de forma clandestina. Este trata dos direitos trabalhistas do funcionário sem título de trabalho.
Sem título de trabalho, mas não sem direitos trabalhistas
Em princípio, o trabalhador que não possui uma carta de residência ou uma autorização de trabalho não pode ser empregado na França.
No entanto, na prática, dezenas de milhares de trabalhadores são empregados todos os dias, mesmo “sem papel”. Os principais setores empregando trabalhadores seriam a construção civil, a limpeza e alimentação (bares e restaurantes).
Neste caso, quais são os direitos destes trabalhadores?
Infelizmente, nem todos os direitos previstos no Código do trabalho se aplicam. Por exemplo, a gestante sem título de trabalho não é protegida contra a demissão, já que nem deveria estar trabalhando.
No entanto, alguns direitos são previstos. O trabalhador clandestino tem direito à remuneração pelo período trabalhado, com pagamento de suplemento por hora extra, trabalho de noite ou fim de semana, etc. Da mesma forma, o trabalhador tem direito à férias pagas, o que representa, em geral, 10% do salário recebido no período. O empregador é obrigado a garantir a segurança do empregado, o que, é claro, inclui proteção contra qualquer forma de maltrato ou assédio.
No entanto, o estrangeiro não tem direito a manter o seu trabalho. De fato, o empregador é obrigado a romper o contrato assim que “descobre” a condição de sem-papel do seu empregado. Porém, isto não significa que não deve pagar indenizações.
Indenizações de ruptura do contrato
O trabalhador “declarado” – aquele que cotizava e tinha fiches de paie, em geral, tendo apresentado documento falso – tem direito a uma indenização de três meses de salário, mais um mês de aviso prévio, ou seja, quatro meses de salário.
O trabalhador que nem sequer foi declarado, é considerado “dissimulado” e tem direito a uma indenização de seis meses de salário, mais um mês de aviso prévio, ou seja, sete meses de salário.
Para receber estas indenizações, muitas vezes será necessária a assistência de um advogado. Isto porque os empregadores conhecendo a condição do brasileiro clandestino, consideram que ele não irá reclamar os seus direitos.
De fato, muitos brasileiros têm medo de começar um pedido na justiça. É necessário deixar claro que os trabalhadores clandestinos têm sim direito a entrar com um pedido no tribunal trabalhista (Conseil de prud’hommes) como qualquer trabalhador. Isto não apresenta nenhum risco, o secretariado do tribunal em nenhum caso comunica a situação do estrangeiro à polícia.
Outra coisa a entender é que, na França, um funcionário que pede demissão não tem direito a nada além dos salários e férias que ficarem por receber. Muitos empregadores se aproveitam das dificuldades dos trabalhadores com a língua francesa e da ignorância da legislação local. Se o seu empregador disser: “assine isto e te pago os seus direitos” muita atenção! Se o documento for um pedido de demissão, os seus direitos são reduzidos a quase nada.
É o empregador que deve demitir o funcionário. Para isto se deve seguir todo um processo. Em geral, os empregadores alegam estar demitindo por justa causa, principalmente em caso de documento falso. No entanto, o empregador tem a obrigação de verificar a autenticidade do documento de identidade apresentado. Logo, o fato de ter apresentado um documento falso, não permite uma demissão por justa causa.
Se o seu empregador quer lhe mandar embora sem pagar parte do seu salário, férias, indenizações de ruptura, etc, busque imediatamente a assistência de um advogado.
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